6 de março de 2019

Belo Monte opera sem plano de emergência em caso de ruptura da barragem e viola direitos humanos, dizem MPF e outros oito órgãos após vistoria


Entre os dias 25 e 26 de fevereiro, uma força-tarefa liderada pelo Ministério Público Federal (MPF), viajou pela chamada Volta Grande do Xingu, em Altamira, região onde está instalada a hidrelétrica de Belo Monte. A força-tarefa, formada por outras oito instituições nacionais e internacionais, visitou 25 comunidades ribeirinhas com o objetivo de identificar os problemas que vêm sendo denunciados por diversas associações e prefeituras dos municípios impactados pela usina de energia. O MPF constatou que, entre outros problemas, a UH Belo Monte opera sem um plano de emergência para o caso de rompimento da barragem de contenção de água.



Além do MPF, participaram da vistoria representantes do Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), Defensoria Pública da União, Defensoria Pública do Estado do Pará, Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Fundo de Populações da Organização das Nações Unidas, Embaixada da Comunidade Europeia no Brasil, Universidade Federal do Pará (UFPA), Fundação Nacional do Índio (Funai), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

As autoridades que visitaram a região constataram que Belo Monte está funcionando sem apresentar os monitoramentos semestrais exigidos pelo licenciamento ambiental e cometendo violações sistemáticas de direitos humanos.

Belo Monte: 18 Turbinas. R$ 30 bi. 11 mil MW


Ao todo, Belo Monte terá 18 turbinas na casa de força principal, com 611 megawatts (MW) de capacidade cada. 12 dessas turbinas já estão instaladas e em funcionamento. A partir de abril deste ano uma nova turbina será instalada a cada 45 dias, segundo o cronograma da empresa.

Além disso, outras seis máquinas menores, de 39 MW cada, estão instaladas na chamada "casa de força complementar". Desde julho de 2018, as máquinas de menor porte já estão em operação. Quando Belo Monte terá 11.233 MW de capacidade, com investimentos estimados em R$ 30 bilhões.

A Eletrobras possui 15% da Norte Energia. As subsidiárias Eletronorte e Chesf têm, respectivamente, 19,98% e 15%, respectivamente. Completam a sociedade Petros (10%), Funcef (10%), Neoenergia (10%), Aliança Norte Energia (Vale e Cemig, com 9%), Amazônia Energia (Cemig e Light, com 9,77%), Sinobras (1%) e J. Malucelli Energia (0,25%).



Auditagem Externa


O MPF, no retorno a Altamira, convocou os prefeitos da região e o consórcio Norte Energia (NESA), responsável pela operação de Belo Monte e estabeleceu prazo de 24 horas para que a NESA envie o plano de emergência da barragem e os relatórios de monitoramento sobre os impactos da hidrelétrica. Além disso, o MPF quer que seja realizada uma auditoria independente sobre a instalação e a operação da usina. Foi dado prazo de 10 dias a Nesa para que se manifeste. Caso a empresa se recuse em aceitar a auditagem externa, o MPF deverá ajuizar ação judicial para obrigá-la.

Além disso, o MPF fez recomendação no sentido de que o desvio de águas sob controle da empresa, o chamado hidrograma, seja suspenso até a conclusão da auditoria.

Processo Genocida


Foram usadas palavras duras para descrever a situação encontrada pelos órgãos de fiscalização e pesquisadores, na região de Belo Monte. “Eu passo a olhar o processo de instalação de Belo Monte como um processo genocida, um processo de expulsão das comunidades. Afirmo minha perplexidade e minha indignação com o que verificamos”, disse a procuradora da República Thais Santi, que coordenou a vistoria interinstitucional.



A NESA Controla Tudo


“Eu já naveguei na Volta Grande algumas vezes antes de Belo Monte e conhecia um rio cheio de movimento, com barcos e canoas passando o tempo todo, as pessoas brincando nas margens. O que vi dessa vez foi muita tristeza. O Xingu ficou triste, ninguém brinca na beira, nem quer entrar no rio por medo de doenças, ele não é mais navegável e os moradores têm o seu tempo controlado, seu lazer inviabilizado e suas vidas precarizadas pela atuação da empresa. A sua empresa controla o rio, controla a fome e a sede de todas as formas de vida na região, e isso é inaceitável”, disse a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat ao representante da Norte Energia, José Hilário Farina Pontes.

Violações a Tratados Internacionais


“A empresa viola tratados internacionais de direitos humanos e nós vamos levar isso às instituições internacionais. Não há uma visão de desenvolvimento, e sim de fragmentação das comunidades, pelo poder dado à empresa para definir quais lideranças e comunidades irão receber as compensações. Não há plano de contingência, proteção, emergência para a Volta Grande do Xingu. Em Brumadinho existia, aqui sequer isso. Fica claro que é necessária uma mudança estrutural para revisar e avaliar impactos a fim de assegurar os direitos humanos daquelas pessoas”, disse Leonardo Pinho, presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH).



Dano Moral


Os representantes do Fundo de Populações da Organização das Nações Unidas, Vinícius Monteiro e da embaixada da União Europeia, Lise Pate, se comprometeram em relatar as constatações da vistoria aos organismos que representam e de cooperar com a busca de soluções para a situação da Volta Grande. Para Renan Sotto Mayor, representante da Defensoria Pública da União, a Norte Energia não deve ter o poder, que tem, de definir quem é, e quem não é atingido. “Há um dano moral existencial para a vida das comunidades. Pessoas que viviam de forma totalmente conectada ao rio não têm mais nenhuma perspectiva de vida. O que presenciamos foi a desesperança, nem revolta mais as pessoas têm, apenas uma profunda depressão”, disse.

Situação Criminosa


Andrea Barreto, da Defensoria Pública do Estado do Pará, classificou a situação de abandono da Volta Grande do Xingu como criminosa. “Isso é unânime entre as instituições que participaram da vistoria. Houve um agravamento das violações de direitos humanos, as comunidades perderam a capacidade de se sustentar e de se locomover. O rio não tem mais condições de navegação e os travessões são perigosos e até intrafegáveis. Meu sentimento é de revolta com o que vi”. 



Peixe Escasso. Água Rara


Um carro do Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), conduzindo uma das equipes, chegou a capotar na estrada que liga a Terra Indígena Paquiçamba às comunidades que vivem nas margens do Xingu, no município de Anapu. Foram ajudados por índios da nação Juruna. A precariedade das vias de acesso na região ficaram patentes às autoridades.  Como falta peixe e não há rotas para escoar produtos agrícolas, que antes chegavam aos mercados pelo rio, a fome se tornou uma ameaça real para as comunidades da Volta Grande. 

Segundo a assessoria de imprensa do MPF,  Bel Juruna e Adauto Arara, moradores de duas aldeias indígenas na região, garantiram que os peixes aparecem mortos nas margens do rio e estão rareando. Alguns, como a pirarara, a pescada e o surubim, desapareceram. Os que restaram estão cada vez menores e mais magros. “A Volta Grande virou um cemitério de peixes”, disse Bel Juruna. O professor e pesquisador Leandro Melo de Sousa, da Universidade Federal do Pará (UFPA), concorda com eles. Como não há constância no nível do rio, os peixes aproveitam uma cheia momentânea para buscar alimentos em áreas de várzea e acabam presos no seco quando as águas descem novamente. “Do jeito que está variável a vazão, o rio se transformou em uma armadilha para os peixes. A inconstância na subida e descida provoca a morte dos peixes”, disse. 

Por outro lado, há escassez de água potável na região. O represamento do rio está secando os lençóis freáticos. Em uma das comunidades, a Ilha da Fazenda, já foram furados três poços. Todos secaram.

Medidas Duras   


Por conta de todos esses problemas, ao justificar a necessidade de uma auditoria externa em Belo Monte, a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, afirmou ao representante da Norte Energia que o chamado hidrograma da Volta Grande, em que o Ibama determinou a quantidade de água que deve ser liberada para a região a fim de assegurar a vida das comunidades e dos ecossistemas, precisa ser suspenso imediatamente. “Não é admissível uma gestão de águas que deixe as pessoas naquela situação”, afirmou. O MPF deu prazo de 10 dias para a Norte Energia encaminhar uma resposta sobre a realização da auditoria independente. O prazo expira nesta sexta-feira (8). 

O MPF lembrou que o licenciamento do empreendimento estabeleceu que a empresa precisa enviar os dados de monitoramento para a Funai e para o Ibama a cada seis meses. Além dos relatórios de monitoramento do Plano Básico Ambiental, a NESA tem que enviar o Plano Básico Ambiental Indígena. Ambos estão muito atrasados. O último relatório recebido foi o nono de um total de doze – os últimos três nunca foram enviados. O MPF deu 24 horas para que a NESA entregue esses planos aos órgãos competentes. Caso não tenham sido entregues até o retorno do recesso do Carnaval, o MPF tomará outras providências. 

Diante do que foi visto pelas autoridades, caso a NESA não tome providências concretas, e em caráter de urgência, o MPF deverá tomar medidas duras e, segundo um funcionário que esteve na vistoria, cogita-se até mesmo pedir à Justiça Federal que embargue a operação da usina.



(Texto editado pelo site com informações do MPF/PA)

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