15 de junho de 2012

"É pouco o que está para sair da Rio+20", avalia Miriam Leitão

Conforme disse no post anterior, o artigo de Miriam Leitão, publicado n'O Globo ontem (14), complementa o painel que começamos a visualizar a partir do artigo de José Serra, no post abaixo. Miriam, como sempre de forma equilibrada, alerta para a real possibilidade que a Rio+20 seja um fiasco apenas ligeiramente menor que a Eco92. Como não concordar com Miriam quando ela diz que "fazer uma reunião deste tamanho só para dizer que os países terão metas parece muito pouco"?
Por tudo isso, um texto necessário e esclarecedor. Boa leitura.

É pouco o que está para sair da Rio+20, por Miriam Leitão

Miriam Leitão, O Globo
Até agora, o que há de mais concreto no documento que vai sair da Rio+20 é que os países vão se comprometer em ter “objetivos de desenvolvimento sustentável”. Mas os objetivos propriamente ditos não serão assumidos.
Fazer uma reunião deste tamanho só para dizer que os países terão metas parece muito pouco. O embaixador Luiz Alberto Figueiredo explicou que a Rio 92 era o fim de uma negociação, a Rio+20 é a abertura de negociação.
Todo evento como este começa muito antes de começar. Ontem foi o primeiro dia da última reunião do comitê preparatório. Esse comitê se reuniu várias vezes para chegar ao dia de ontem com o texto quase pronto. Está longe disso. O texto está com apenas um quarto dele fechado. O resto estará sendo discutido nos próximos dias para que o rascunho chegue aos chefes de Estado com alguma concretude.
Do que já está fechado, o mais concreto, me disse ontem o embaixador Luiz Alberto Figueiredo, é que o mundo aceitará ter objetivos. Isso significa que os chefes de Estado assinarão o compromisso de ter metas em várias áreas deste vasto tema que é o “desenvolvimento sustentável”. Mas não se sabe nem que áreas serão estas: – Tudo será refinado nas próximas reuniões.
Todo mundo que acompanhou o primeiro dia da Rio+20 no Riocentro acha isso pouco demais. É por isso que ele explicou que a Rio 92 fechou um processo, a Rio+20 vai abrir uma nova etapa.
Quer dizer que na reunião de 20 anos atrás houve um longo processo de negociação anterior que permitiu o resultado histórico de duas grandes convenções assinadas — a da biodiversidade e a da mudança climática.
Nesta, agora, tudo chega muito verde; sem trocadilhos. O mundo passará a negociar esses “objetivos de desenvolvimento sustentável”? Sim. É o que está, até agora, garantido no documento. Como na ONU tudo acaba em sigla, eles viraram ODS. E os ODS são o grande trunfo na mão.
Nas conferências climáticas que ocorrem anualmente negociam-se medidas e metas para dois tipos de atitude diante do problema: mitigação e adaptação. O primeiro grupo de ações é para reduzir as emissões dos gases de efeito estufa; o segundo grupo é para se adaptar às mudanças que já são inevitáveis. Parecem medidas antagônicas, mas são complementares.
Parte do estrago já está feito mesmo. Haverá desertificação de áreas, elevação do oceano, aquecimento da temperatura, eventos climáticos extremos. Melhor se adaptar. Mas o pior pode ser evitado e por isso é preciso limitar o aumento das emissões, ou seja, mitigar.
O chinês Sha Zukang, secretário-geral da Rio+20, explicou que, apesar de serem aparentemente diferentes dessas duas trilhas, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) levarão ao mesmo resultado: adaptação e mitigação. E alertou: “Não se deve subestimar a Rio+20.”
Ao abrir a negociação do grupo preparatório, o presidente dessa negociação, o embaixador Kim Sook, da Coreia do Sul, avisou: “O mundo está nos olhando. Precisamos entregar algo concreto.”
Serão dias difíceis. Durante meses foram feitas várias reuniões desse grupo preparatório. Agora é a última chance: ou eles entregarão um monstrengo cheio de falhas, brancos, colchetes para quem toma decisão ou chegarão com algum consenso que possa ser apresentado como vitória.
O tempo corre contra. Eles se reúnem a portas fechadas. A imprensa já está chegando de vários países do mundo, como se pode notar pelos idiomas falados nas salas de imprensa do Riocentro. Outras aflições e emergências, como a crise europeia, estão assombrando o mundo, mas esta é uma reunião que não será ignorada.
A chanceler Angela Merkel não vem. Está ocupadíssima, como se sabe, tentando segurar uma moeda que corre o risco de implosão.
O presidente Barack Obama não vem. Erro de cálculo dele. Quem acha que mudança climática não é problema, ou por não acreditar nela ou por não levar os riscos a sério, é eleitor do adversário de Obama. Os militantes de causas ambientais mais apaixonados votaram nele há quatro anos, ficaram decepcionados com sua atuação em Copenhague e gostariam que ele viesse ao Rio.
Ele está mandando uma delegação importante, liderada pela secretária de Estado, Hillary Clinton, o chefe das negociações climáticas, Todd Stern, e a chefe da EPA, a Agência de Proteção Ambiental. Além do marido de Hillary, o Bill.
Mas não, Obama não podia ignorar o clamor, porque esse desdém é contraditório com o discurso que fez na primeira campanha.
Esta é a mais vasta reunião da ONU sobre o tema. Cinquenta mil pessoas participarão de eventos só no Rio. Há eventos em outras cidades.
O Brasil inventou uma novidade. Convocou representantes da sociedade civil para dentro da programação oficial. Em dez temas haverá dez representantes de entidades do mundo inteiro. O processo de escolha de quem participaria desses “diálogos” foi feito de tal forma que houvesse diversidade. “Não queríamos que houvesse apenas louros dos olhos azuis”, me disse um diplomata brasileiro.
Duas mil pessoas se inscreveram, pelas redes sociais, para assistir aos debates que apresentarão recomendações aos chefes de Estado. Não é nada, não é nada, democracia se faz assim.

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