13 de fevereiro de 2012

"Fraude no Araújo Jorge, em Goiânia, começou há muito tempo", diz filho do fundador do hospital


No Jornal Opção, de Goiânia, hoje (13):
A suposta fraude na Associação de Com­­­bate ao Câncer e Goiás (ACCG), que veio à tona na terça-feira (7), a partir da Operação Biópsia do Ministério Público, não era desconhecida dentro do Hos­pital Araújo Jorge. O médico Estanislau de Araújo Jorge, filho do fundador do hospital, conta que as denúncias que resultaram na prisão de quatro dirigentes da entidade — da ex-presidente Criseide Castro Dourado; do tesoureiro-geral, Clécio Paulo Carneiro; do gerente financeiro, Antônio Afonso Ferreira; e do supervisor administrativo, Amarildo Cunha Brito; e de um empresário — eram recorrentes nas assembleias. “Essa situação é conhecida dentro do Araújo Jor­ge e todo ano a gente de­nunciava.” O suposto desvio de dinheiro da entidade já ha­via inclusive sido investigado pelo Ministério Público há cerca de um ano e meio, conta o médico. “Promotores da área de Saúde e auditores já haviam comprovado o desvio de dinheiro.” O fato levou Es­tanislau a exigir publicamente que retirassem o nome do pai do hospital.
Segundo o médico, a corrupção na entidade teve início há 16 anos, quando a médica radiologista Criseide Dourado assumiu a presidência da AC­CG.

De acordo com ele, desde então a radiologista conseguiu se reeleger sucessivamente graças ao controle que adquiriu sobre o corpo de associados, que não é composto apenas por médicos. “In­clusive, tem mais não médicos que médicos, e quem escolhe os novos associados, a cada biênio, é o corpo de associados. Só que ela (Cri­seide) botou todo mundo dela lá, quem ela quis, até o motorista dela, a moça da faxina da casa dela, os apaniguados a quem ela vendeu benesses a tro­co de votos. E assim ela vai se reelegendo perenemente”, denuncia o médico.
O desvio de dinheiro por meio de notas fiscais frias — o MP já comprovou uma fraude de cerca de R$ 900 mil — não é o principal canal de corrupção na entidade. Estanislau A­raújo Jorge denuncia que a maior parte ocorre por meio dos contratos terceirizados. “É por onde sai o dreno, é por aí que sai o dinheiro pelo ladrão porque não tem fiscalização.” Por ser uma entidade filantrópica, a ACCG pode contratar empresas para prestar serviço no hospital e é dispensada de apresentar dados dessa contratação. “No balanço, dizem: gas­tamos tanto com terceirizados e recebemos menos que pagamos. Conclusão: a cada ano a dívida da instituição cresce estratosfericamente.”
A dívida da ACCG, estimada em R$ 80 milhões, era de R$ 8 milhões há dez anos e zero quando Criseide Dourado assumiu a presidência da entidade, conta Estanislau. Uma evolução que não tem sua origem apenas no repasse do SUS, considerado insuficiente para pagar o tratamento oferecido aos pacientes. Se por um lado o SUS dá prejuízo, como no caso da diária do paciente, que é de 17 reais, por outro dá lucro. Na compra de medicamento quimioterápico, por exemplo, a ACCG consegue desconto do fornecedor, porque adquire grande quantidade e recebe do SUS o custo praticado no mercado, sem o desconto. “A instituição ganha um lucro em cima do desconto do fornecedor”, explica o médico.
Mas esse lucro não impediu que a ACCG ficasse inadimplente com seus fornecedores, o que explica a falta de medicamento e o não atendimento de pacientes no hospital, denunciados pelo Jornal Opção em reportagens publicadas em 10 e 17 de dezembro do ano passado (edições 1900 e 1901). “A associação tem mais de 800 títulos protestados e, por isso, não consegue mais repor medicação se não pagar a dívida anterior.” Em março do ano passado, o Ministério Público Federal abriu um inquérito para investigar a falta de medicamentos para câncer no Hospital Araújo Jorge. O MPF aguarda uma auditoria solicitada ao SUS para dar andamento ao inquérito que tramita na Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão. “O hospital não tem luxo, mas tinha qualidade. Hoje está totalmente sucateado, falta material de cirurgia e os médicos estão tendo de improvisar para operar os doentes”, relata o médico.
A ACCG não deixou de pagar apenas os fornecedores, afirma Estanislau. Uma parte do serviço prestado pelos médicos do hospital, que é remunerado pela entidade, não é paga há 13 meses. Atraso que não ocorre em relação ao pagamento dos serviços terceirizados. Entre as empresas que prestam serviço terceirizado para o hospital está a da ex-presidente da ACCG. Criseide Dou­rado é sócia do Centro de Radioterapia e Física Médica Ltda (Centraf), empresa que recebeu mais de R$ 4 milhões da entidade nos últimos três anos. Apesar de receber salário como médica do Hospital Araújo Jorge, Criseide Dourado terceiriza o serviço de radioterapia. “Ela ganha um porcentual do que o SUS paga pela radioterapia e o SUS paga melhor do que muito plano de sa­úde”, conta o médico. E o mais estranho é que a empresa da ex-presidente usa as máquinas, a energia elétrica e os empregados do hospital para prestar o serviço.
Na mesma situação se encontra o laboratório de análises clínicas que presta serviço para o Araújo Jorge, conta Estanislau. “O laboratório de anatomia patológica e citologia não é terceirizado e os médicos estão à mingua, sem receber. O de análises clínicas, que é terceirizado por um dos apaniguados de Criseide, usa as máquinas do hospital, os empregados do hospital e fica com o lucro oriundo do pagamento do SUS e dos planos de saúde.”
Ele conta também que um genro de Criseide Dourado, que fez residência há um ano, presta serviço terceirizado no hospital em troca de uma remuneração de R$ 30 mil mensais. O serviço de telemarketing, que também é terceirizado, lucra mais do que repassa à ACCG, afirma o médico. “E nunca prestaram conta do que arrecada com o telemarketing e o que se pagou.” Se­gundo ele, o desvio de dinheiro se dá por meio do serviço terceirizado, na compra superfaturada e no nepotismo.
Estanislau Araújo Jorge denuncia outras irregularidades na entidade. Segundo ele, enquanto o salário líquido dos médicos varia de R$ 1,9 mil a R$ 2,55 mil, de acordo com o tempo de serviço, “o filho da chefe do Departamento de Pessoal foi contratado por R$ 6 mil há três anos”.
Na opinião do médico, Criseide Dourado não teria capacidade para arquitetar todo esse plano de desvio de dinheiro. Ele acredita que ela seja a testa de ferro de outro dirigente que também foi preso. Para Estanislau, a solução para a crise que se tornou crônica no Hospital Araújo Jorge passa pelo ressarcimento do prejuízo dado pela diretoria que foi afastada a pedido do Ministério Público. “Será preciso reaver parte do dinheiro e afastar essa quadrilha e os terceirizados, que não fazem parte da diretoria, mas coadunam com a podridão, e eliminarem o desvio de dinheiro arrecadado com o serviço árduo do corpo clínico e médico do hospital.”
O advogado de Criseide Dourado, Pedro Paulo Guerra de Medeiros, disse ao Jornal Opção que a médica aguarda ser informada sobre os autos do processo para se pronunciar. Ele adianta, no entanto, que o pagamento de R$ 3 milhões feito à Centraf é referente a serviço prestados em três anos e que não há nada de ilegal no contrato. “Trata-se de uma forma de planejamento tributário.” A reportagem tentou ouvir algum representante da ACCG sobre as denúncias de Estanislau Araújo Jorge, mas recebeu a seguinte resposta: “Encaminhamos suas perguntas ao presidente em exercício da ACCG, Edgar Berquó Peleja, que decidiu não se pronunciar sobre o assunto.” Criseide Dourado, que não é primária — foi condenada em 2000 por envolvimento no caso do césio 137 —, foi libertada na quarta-feira, 8, de madrugada. Os demais presos foram soltos na quinta-feira, 9.
A Operação Biopsia do MP foi comandada por promotores do Grupo de Atu­ação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e do Centro de Segurança Ins­titucional e Inteligência (CSI) e deflagrada com o apoio do Comando de O­perações Es­peciais (COE) da Polícia Mi­litar. Na terça-feira, 7, fo­ram presos os quatro integrantes da ACCG e um em­presário e apreendidos no­tas fiscais e contratos.
A investigação criminal que resultou na prisão dos suspeitos de desvio de dinheiro da ACCG teve início há cerca de seis meses e já comprovou o uso de notas frias, o pagamento de produtos que não foram entregues, além do pagamento de supersalários, de nepotismo, autocontratação da ACCG para a prestação de serviços e até o pagamento de pensão alimentícia ao filho de um dos servidores da associação. O promotor Denis Bimbati afirmou que, “pelo que já foi apurado na investigação, há indícios claros de que, na ACCG, formou-se uma organização criminosa”.

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