20 de janeiro de 2012

Lispector em alemão? Já era tempo mesmo!


Na coluna de Ancelmo Gois, publicada n'O Globo, hoje (19): "A obra de Clarice Lispector (1920-1977), considerada outro dia pela “The Economist” a “mais importante autora judia depois de Kafka”, será traduzida para alemão pela editora Schöffling & Co., numa ação do Ministério da Cultura.
No mesmo pacote, quatro livros de Jorge Amado (1912-2001) também serão traduzidos."
Nada mais merecido. Chega a dar ganas de aprender alemão para ler, de novo, Lispector.
Deixo para vocês um trecho catado do ótimo Aprendendo a Viver.
“Uma vez eu irei. Uma vez irei sozinha, sem minha alma dessa vez. O espírito, eu o terei entregue à família e aos amigos com recomendações. Não será difícil cuidar dele, exige pouco, às vezes se alimenta com jornais mesmo. Não será difícil levá-lo ao cinema, quando se vai. Minha alma eu a deixarei, qualquer animal a abrigará: serão férias em outra paisagem, olhando através de qualquer janela dita da alma, qualquer janela de olhos de gato ou de cão. De tigre, eu preferiria. Meu corpo, esse serei obrigada a levar. Mas dir-lhe-ei antes: vem comigo, como única valise, segue-me como um cão. E irei à frente, sozinha, finalmente cega para os erros do mundo, até que talvez encontre no ar algum bólide que me rebente. Não é a violência que eu procuro, mas uma força ainda não classificada mas que nem por isso deixará de existir no mínimo silêncio que se locomove. Nesse instante há muito que o sangue já terá desaparecido. Não sei como explicar que, sem alma, sem espírito, e um corpo morto — serei ainda eu, horrivelmente esperta. Mas dois e dois são quatro e isso é o contrário de uma solução, é beco sem saída, puro problema enrodilhado em si. Para voltar de ‘dois e dois são quatro’ é preciso voltar, fingir saudade, encontrar o espírito entregue aos amigos, e dizer: como você engordou! Satisfeita até o gargalo pelos seres que mais amo. Estou morrendo meu espírito, sinto isso, sinto...”
Um dia, quem sabe, a vida deixará de ser tão encardida, eivada de assuntos cascudos e aí poderemos falar sobre Lispector, Arendt, Stein e outras mulheres maravilhosas que ajudaram a tornar o mundo, senão compreensível, pelo menos aceitável.

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