10 de outubro de 2011

Fordlândia será tombada pelo IPHAN


Fordlândia, a cidade-fantasma na região do Tapajós, será tombada pelo patrimônio histórico nacional. A informação é de Luis Fernando de Almeida, presidente do Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (IPHAN).
O Instituto já realizou os estudos prévios e deve finalizar o processo ainda este ano.
Fordlândia é um exemplo clássico de como todos estamos sujeitos às piores decisões mesmo que façamos as melhores análises.
A cidade é fruto da aventura amazônida do maior gênio capitalista do século, Henry Ford. Ao criar a "linha de montagem e produção" Ford refundou a indústria.
Os carros da linha de produção, claro, exigiam pneus e diversas outras peças feitas de borracha. Só entre 1920 e 1922, a quantidade de matéria-prima necessária para fabricação de pneus saltou de 19 mil toneladas para 67 mil toneladas. A borracha, agora obtida do látex extraído de seringueiras plantadas na Ásia, era monopólio inglês. E Ford tentou driblá-lo. Aproveitou um estudo feito havia quatro anos pelo governo americano sobre a possibilidade de obter látex no Brasil, chamado American Rubber Mission, e resolveu criar um braço amazônico para sua companhia. A ideia incluiu a construção de duas cidades à beira do rio Tapajós, no Pará. Mas foi marcada por uma sucessão de erros que culminaram em 18 anos de trabalho jogados fora e um prejuízo de 9 milhões de dólares da época (ou mais de 130 milhões de reais atuais).
Sabendo do interesse americano por terras amazônicas, o cafeicultor Jorge Dumont Villares ganhou do governo do Pará áreas em sete pontos diferentes. Ao recepcionar a comitiva de funcionários da Ford enviados ao estado, mostrou apenas seus próprios terrenos ao longo do rio Tapajós. A concessão de 1 milhão de hectares (equivalente ao tamanho da cidade de Goiânia) poderia ter sido obtida gratuitamente direto com o governo, assim como Villares havia conseguido. Mas Henry Ford pagou 125 mil dólares ao cafeicultor. A Fordlândia nascia, dessa forma, de um golpe dado pelo brasileiro no americano em cima de um terreno montanhoso e impróprio para seringueiras.
Uma cidade foi erguida no meio da floresta amazônica. Os navios Lake Ormoc e Lake Farge trouxeram dos Estados Unidos os materiais necessários para a construção do povoado, como madeira, telhas e as próprias mudas das seringueiras. Uma das embarcações foi preparada para suprir temporariamente a aldeia de energia e servir de hospital. A floresta começou a ser derrubada em 1928, as casas foram construídas e as árvores, plantadas.

Gente de toda parte foi procurar emprego em Fordlândia. O alvoroço repercutia no Rio de Janeiro, e o jornal O País registrou: “Todos são admitidos nas fábricas, exceto os dementes e loucos”. Os anúncios nos jornais chamavam gente interessada, fosse especializada ou não, mas o exame médico barrava metade dos que apareciam por não terem condições de saúde.
Mesmo assim, o negócio foi tomando forma. A cidade tinha um dos melhores hospitais da região e a Vila Americana, composta pelas casas dos administradores vindos dos Estados Unidos, era de alto nível: possuía gramados para golfe, quadras de tênis, piscina, campos de futebol, clube e cinema. Os funcionários ficavam em vilas bem mais modestas. O salário não era de se reclamar: bem maior que o de outras cidades da região, era pago a cada 15 dias e em dinheiro, prática pouco comum por aquelas bandas. 
Se por um lado o bolso estava cheio, por outro a paciência dos caboclos se esgotava. 
A cidade americana seguia regras americanas. Havia relógios de ponto por toda parte. Uma sirene dividia o dia em turnos e marcava os horários de descanso. Os caboclos, acostumados a acompanhar o tempo conforme o ciclo do sol, estranharam. Para completar, a Fordlândia proibia bebida alcoólica em seus limites.
Para os que ficavam, havia formas de diversão às escondidas, como a cachaça contrabandeada (vinha dentro de melancias pelo rio) e as festinhas animadas na chamada “Ilha dos Inocentes”, do outro lado do Tapajós – que de ilha e de inocente não tinha nada. Lá, bebida e prazer eram liberados. Para isso, prostitutas chegavam de Santarém e Belém.
E foi ali, no coração da Amazônia e por causa das diferenças culturais, que ocorreu talvez o único motim antiespinafre da História. Em 1930, explodiu no refeitório da Companhia Ford Industrial do Brasil uma rebelião, conhecida como “quebra-panelas”. Os caboclos se revoltaram contra a obrigatoriedade de comer espinafre quase que diariamente – queriam peixe, feijão e farinha. Em meio a gritos de “abaixo o espinafre”, colocaram os americanos para correr e prometeram fazer greve. “Em uma noite, os dirigentes da Ford Motor Company aprenderam mais sociologia que em anos de universidade”, afirma o escritor e advogado Clodoaldo Vianna Moog em Bandeirantes e Pioneiros: Paralelo entre Duas Culturas.
Na mesma época, a plantação de seringueiras foi atacada pelo mal-das-folhas, fungo que reduzia a produção de látex e acabava até por matar a árvore. Estudos anteriores à implantação de Fordlândia indicavam que a floresta era capaz de proteger a árvore dessa praga. Isso porque a distância entre uma seringueira e outra diminuía a intensidade do ataque. Mas isso não acontecia no local. Eles plantaram as árvores como se fossem eucaliptos, bem diferente da estrutura de uma floresta.
O ritmo da implantação dos seringais também era baixo. Em 1929, havia 400 hectares de plantação. Em 1931, o volume cresceu apenas para 900. Muito inferior ao planejamento inicial: 200 mil hectares de seringueiras e rendimento médio de 1500 quilos de borracha por hectare. Só em 1932 a companhia decidiu contratar um especialista no cultivo de borracha. Chegou por lá o botânico James R. Weir, que havia trabalhado na American Rubber Mission.
Weir sugeriu, em 1936, a troca da área de Fordlândia por outra em Belterra, a 48 quilômetros de Santarém. Lá, o terreno era mais bem drenado, com mais vento e menos umidade – condições desfavoráveis à propagação do mal-das-folhas. Um outro núcleo urbano foi construído e alguns erros, reparados. O traçado das plantações ainda era retilíneo, mas as mudas não eram locais, e sim trazidas do antigo Ceilão (atual Sri Lanka). O projeto ganhou novo fôlego. Mesmo assim, a produção era baixa, os trabalhadores reclamavam da alimentação e da falta de liberdade. Uma vila vizinha a Belterra fazia as vezes da “ilha dos inocentes”, e a falta de mão-de-obra permaneceu.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, muita coisa mudou. O principal e determinante fator para o fim do sonho de Ford no Brasil foi o surgimento da borracha sintética, que passou a ser largamente produzida em países como Japão, Alemanha e Rússia e que tornou a borracha natural menos interessante. Além disso, a idéia de terceirização surgia e já não era mais necessário se preocupar com o todo da produção de um automóvel. Em 1945, Henry Ford, que nunca veio às cidades que fundou, resolveu deixar de lado a Amazônia e vendeu por 250 mil dólares as cidades ao governo brasileiro, com tudo o que restava nelas. Hoje, Fordlândia está praticamente abandonada, tomada pelo mato. Belterra, pela proximidade com Santarém, tornou-se um município um tanto maior, com cerca de 17 mil habitantes.

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