27 de novembro de 2018

MPF faz evento para avaliar intervenção no Rio de Janeiro. Roubos e furtos caem, mas mortes causadas por PMs e militares disparam. Veja os números aqui


Começa nesta quarta-feira (28), o colóquio “Intervenção Federal na Segurança Pública: desafios ao MPF na proteção dos direitos humanos e no controle externo da atividade policial”, no Hotel Windsor Guanabara, Rio de Janeiro. O evento visa discutir e avaliar a intervenção no Rio, antes apresentada pelos governos Estadual e Federal como uma experiência que visava a criação de um "modelo de intervenção na segurança pública" a ser replicado em outros estados. Contudo, a intervenção até aqui não parece ter surtido o efeito desejado e fez apenas aumentar o sofrimento dos moradores do Rio.

A intervenção federal na Segurança Pública do Estado do Rio começou em 16 de fevereiro e irá até o dia 31 de dezembro deste ano. Além do combate ao tráfico de armas e drogas, o objetivo era reduzir os índices de criminalidade e treinar e aparelhar as Polícias do Rio. Mas, neste último quesito o resultado foi pífio. Nestes nove meses de intervenção, R$ 31 milhões foram gastos para equipar as forças de segurança do Rio de Janeiro, ou apenas 2,5% do total de R$ 1,2 bilhão prometidos pelo governo Temer.

Foram realizadas 535 operações até outubro e apenas 617 armas apreendidas, a um custo total de R$ 46 milhões.

Houve redução em 10% no número de roubos e furtos, mas o número de homicídios se manteve elevado. Nos setes meses anteriores à intervenção houve 3.938 homicídios. De fevereiro a agosto deste ano, ocorreram 4.039 assassinatos no RJ.

Em compensação, a PM e o Exército passaram a matar muito mais. De fevereiro a novembro deste ano, 1.151 pessoas foram mortas em decorrência de ações policiais – um aumento de 40,5% em relação ao mesmo período do ano passado.

Foram registrados mais de 7,4 mil tiroteios entre fevereiro e novembro de 2018, o que representa aumento de 59% em relação ao mesmo período do ano passado. As escolas afetadas pelos tiroteios cresceram 156%: foram 177 este ano, contra 69 no ano passado.

Além disso, começaram a aparecer acusações de chacinas e até estupros com participação de militares. A chacina do Salgueiro, por exemplo, ocorrida em novembro de 2017 (antes do início da intervenção federal), segue sem solução. Ali, sete homens foram mortos durante uma operação conjunta do Exército e do CORE, grupo de elite da Polícia Civil. As duas instituições negam que seus elementos tenham disparado contra as vítimas. Em um ano, o processo pouco andou. As armas de militares e policiais envolvidos na operação sequer foram periciadas.

A partir dos resultados obtidos, é óbvio que a intervenção federal fracassou. Um modelo que utilize apenas operações policiais, quase sempre espetacularizadas, não dará certo. Sem a ocupação permanente e o suporte da própria população local, será impossível combater de forma eficiente o crime no Rio ou em qualquer outra comunidade Brasil a fora.

Em sua maioria, os criminosos encontrados por policiais e militares são pequenos traficantes, varejistas do crime, quase todos nascidos e criados na própria comunidade. Os vínculos parecem claros. A única forma de romper esses laços e isolar os criminosos, é oferecer serviços públicos (saúde, educação, segurança, transporte, emprego, cultura, etc) de qualidade e em sintonia com cada comunidade, além de fechar os portos, aeroportos e fronteira seca (temos 16 mil quilômetros desse tipo de limite territorial) e marítima (7 mil quilômetros) e seguir o caminho do dinheiro sujo lavado por doleiros.

É preciso lembrar sempre: não há fábrica de drogas e armas nas comunidades das periferias das grandes cidades. Armas e drogas vêm do exterior, trazidas por grandes traficantes. O varejista, parado na esquina, é apenas o elo mais visível (e mais fraco) dessa longa cadeia de horror e morte.

Não há respostas fáceis para problemas complexos que não sejam demagógicas. Enfrentar a violência urbana passa pela integração de todas as esferas de poder (municípios, estados e União Federal) e pela conquista da sociedade civil. Isso demanda tempo, boa-vontade e principalmente recursos humanos e financeiros devidamente treinados e equipados. Sem isso, resta à população aplaudir o desfile de urutus e outros carros de combate no início da intervenção e contar seus mortos depois que ela termina.

O colóquio prosseguirá até a sexta-feira (30) e terá a presença de membros do Ministério Público, defensores públicos, representantes de organizações da sociedade civil e especialistas. A mesa de abertura, prevista para as 14h desta quarta-feira 28, terá a presença do subprocurador-geral da República Domingos Silveira, coordenador da Câmara de Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional do MPF, que realiza o colóquio. Também deve contar com a presença do procurador-geral de Justiça do Rio, entre outras autoridades.



*Todos os dados usados nesta matéria são do Observatório da Intervenção, do Centro de Estudos de Segurança Pública e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, que estará presente no evento.

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