24 de abril de 2012

O "mundo", o "submundo" e a Lei ou Desconfie das respostas fáceis para problemas complexos.


Em todas as esferas da vida existe o "mundo" e o "submundo". É assim no jornalismo, no esporte, na medicina, nas artes, na vida, enfim.
O "mundo" é a estrutura aparente e plenamente codificada e decodificável por todos nós. Estabelece-se a partir das regras majoritárias ditadas pelo estágio evolutivo de cada sociedade e muda de acordo com os interesses deste coletivo.
Já o "submundo" é o esgoto daquela estrutura, sua fossa sanitária. Ali, as regras tão claras no "mundo", são submetidas a tantas distorções que ao final restam subvertidas, corrompidas, vilipendiadas.
No "mundo" vivem os cidadãos. No "submundo", a marginália.
Vez por outra, interesses no "submundo" colidem. O resultado é uma erupção que obriga o "mundo" a buscar alternativas capazes de conter o fedor.
A crise da vez, no Brasil, é ditada pelo relacionamento espúrio entre agentes públicos e privados visando lesar o patrimônio público, dito isto em português, corrupção da grossa. 
Nestas "crises" - que no Brasil, desde o fim do Regime Militar, amiúdam-se com espantosa frequencia - alguns tentam, de boa-fé ou para capturar microfones e produzir manchetes sensacionais, apresentar "soluções rápidas".
Infelizmente, quando o assunto é combate à corrupção, não existe via rápida. Na verdade, não existe sequer a menor chance de erradicá-la.

Mas, sigamos.
Ontem a comissão de notáveis criada por José Sarney (que fina ironia!), para apresentar um anteprojeto de Novo Código Penal Brasileiro, depois de outras tolices, propôs a "criminalização do enriquecimento ilícito". Ao funcionário público caberia provar que a origem de seu patrimônio é lícita. Caso contrário, cadeia nele.
Ora, a tolice tem dois pontos frágeis.
De cara, é inconstitucional. A proposta inverte o ônus da prova e afronta o Estado Democrático de Direito, um dos princípios basilares da Constituição Brasileira. Que o Estado seja competente para provar que aqueles valores são não apenas incompatíveis com a renda do servidor, mas que também são produtos de ilícito! Sendo incapaz o Estado de estabelecer o nexo causal e a culpa (lato senso) do servidor, porque, cargas d'água, seria punível a conduta?
O combate à corrupção ou a qualquer outro tipo de delito não pode começar por violar a Constituição. Afastar os limites da constitucionalidade em nome de enfrentar o crime é abrir as portas de casa às tentações totalitárias.
A continuar assim, logo chegaremos ao paroxismo do homem que para livrar-se dos ratos ateou fogo à própria casa. A luta contra a corrupção não pode se transformar na "marcha da insensatez".

Hoje, violamos a Constituição para combater a corrupção. Amanhã, para que a violaremos?
Em outra vertente, JÁ EXISTE UMA LEI QUE PUNE condutas ilícitas por parte de servidores públicos. É a Lei da Improbidade Administrativa (8.429), de 1992. Falta apenas que se cumpra a Lei, ora pitombas!
Fosse a capitulação legal fator exclusivo para inibição do crime, o Decálogo de Moisés teria resolvido todos os problemas do mundo para sempre, de vez que escrito pelo Maior Legislador. Ao contrário, sabe-se que o 6º e o 7º mandamentos, para ficar nestes dois, são desrespeitados pelos homens desde sua publicação com incrível entusiasmo.
Queridos, não faltam leis no Brasil. Ao contrário, talvez seja o país com maior produção legislativa do planeta. Falta-nos é a disposição para cumpri-las e fazer cumprir.
Volto ao ponto no qual dizia que a corrupção não pode ser vencida. E não pode mesmo. Todas as vezes que o "mundo" encontrar meios para fechar um duto, o "submundo" trabalhará para abrir outros dois. É assim em todo lugar. A corrupção não faz distinção entre países pobres e ricos, ditaduras ou democracias.
O que muda de um país para outro é a forma como o cambate à corrupção é desenvolvido.
O Brasil é claramente leniente com a corrupção. Não será o mero enrijecimento da Lei Penal que resolverá o problema. Ao contrário, pode causar um efeito diametralmente oposto ao esperado.
Novos tipos penais não resolvem. Penas mais longas não resolvem. O que resolve, então?
NADA!
E ficamos assim? Deixamos que os ratos sentem à mesa?
Não!
Um  bom começo é dar celeridade ao processo penal, aparelhando o Ministério Público e o Poder Judiciário não apenas com equipamentos, mas com promotores e juízes em quantidade e qualidade suficientes para realizar investigações e julgamentos escorreitos e céleres.
Seria a sinalização de que a impunidade está sendo combtida à vera.
Poderíamos seguir mudando a legislação referente ao cumprimento das penas para garantir seu efetivo cumprimento.
De que adianta prever uma pena de 200 anos de cadeia se o bandido passará dois anos de fato na jaula? Considerando a natureza do delito, a forma de cometimento e o lucro auferido pelo bandido, o cumprimento integral da pena deve ocorrer.
Ainda mais. É possível incrementar os mecanismos de fiscalização e controle (externo e interno) dos gastos públicos, aumentando a transparência da gestão. Dizem que vivemos a "Era da Informação". Que seja. Quanto mais informações tiver a cidadania menos chances terão os ratos para roer o queijo da República.
Sabem por que essas medidas não são tomadas?
Porque dão trabalho. Porque no fundo as esferas públicas acostumaram-se às vantagens da corrupção. Porque é tentador ganhar em um dia de falcatruas o que dez anos de trabalho duro jamais dariam.  Porque é dífícil e não rende manchetes no dia seguinte.
Fácil mesmo é sentar-se em frente às câmeras de TV e propor medidas, que pela aparente radicalidade, podem siderar a plateia.
Difícil é trabalhar cotidianamente contra a corrupção como fazem fiscais, policiais, auditores, promotores e juízes em todo o País, quase sempre sem o suporte material para realizar este enfrentamento e sem a cobertura midiática a lhes seguir os passos.
Propor a criação de mais um tipo penal é fácil. E eu, por defeito de fabricação, desconfio sempre de uma resposta fácil para um problema complexo.

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